O jornalista e a bebida

"Rum - Diário de um jornalista bêbado" é um dos livros menos conhecidos do mestre do jornalismo gonzo, Hunter S. Thompson. Apesar de ter sido escrito nos primórdios da carreria do periodista borracho y loco do Kentucky, nos tempos em que ele trabalhava em jornais e revistas de categoria nos Estados Unidos, a obra ficou anos engavetada e só foi publicada em 1998, três anos após a morte do autor. Em fevereiro de 1995, após incontáveis problemas de saúde (especialmente complicações e dores terríveis após uma cirurgia na bacia) Thompson deu fim a própria vida com um tiro de espingarda na cabeça.


No livro, Hunter desconstrói o mito de que o jornalismo é uma profissão glamurosa, excitante, divertida e revolucionária. Pelo contrário, ele busca mostrar justamente o quão ingrato é o ofício, ainda mais quando se é um repórter norte-americano que tenta viver e trabalhar em Porto Rico. "Rum" foi a primeira experiência de Thompson na ficção. Mostra que seu trabalho vai além daquilo que ele mesmo inventou: o jornalismo gonzo - mistura de literatura, reportagem investigativa e contracultura. Embora os personagens continuem sendo jornalistas fora de controle, neste livro tudo foi obsessivamente planejado e estruturado, ao contrário do freestyle dos textos gonzo.


A chegada do filme estrelado por Johnny Depp volta os holofotes para Hunter e seu livro menos familiar ao grande público. Depp, aliás, foi um grande amigo do escritor e pagou todas as despesas com o fúneral de Thompson. O filme, dirigido por Bruce Robinson, é um projeto pessoal do capitão Jack Sparrow em homenagem ao amigo doidão que o telefonava ás 2h da manhã para conversar sobre doenças venéreas e o chamava de "Coronel Depp". Isso quando não usava uma arma taser e um polidor de carros para fazer amigos nas loucas noites de Denver, no estado americano do Colorado.


Existem pessoas, e eu me incluo, que acreditam que a bebida e alguns tipos de drogas são fatores fundamentais para despertar a criatividade (e até a genialidade) em alguns artistas, músicos, escritores, poetas, etc. Não que todo mundo tenha que sair por aí se detonando para fazer algo melhor, por favor, não é sobre isso que estou escrevendo. Mas Hunter Thompson foi um dos primeiros jornalistas a falar abertamente sobre a poderosa mistura entre a bebida alcoólica e a profusão de ideias, que invariavelmente conduziam seus textos. Tente imaginar, por exemplo, Bukowski escrevendo sóbrio, Jack Kerouac sem o uísque, Ernest Hemingway sem doses cavalares de absinto ou Fitzgerald sem bourbon. Dificilmente teríamos o legado imprescindível que a literatura bêbada nos deixou.

A fama de boêmio é quase uma marca de todo o bom jornalista. Esta boemia nada mais é do que experiência de vida que vai ser agregada ao trabalho, pois eu acredito que não se pode ter uma mente jornalistica plena, ou quase, sem ter vivido e experimentado sensações e sabores que a casa dos pais ou o conforto de uma vida regrada não são capazes de fornecer.

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